domingo, 23 de janeiro de 2011

EXISTE UMA BENÇÃO PARA UM RECASAMENTO?





Existe uma benção para o segundo casamento?



Existe no meio evangélico quase um consenso de que o divórcio e, conseqüentemente, um segundo casamento são atos pecaminosos,indignos de pessoas que declaram Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
A posição é baseada em passagens bíblicas como Malaquias 2.16, onde Deus deixa claro que “odeia o divórcio” e que este não foi o plano inicialmente estabelecido para a família. Porém, a própria Palavra do Senhor mostra que em algumas situações como infidelidade, relatada em Mateus 19, ou abandono, como esclarece 1 Coríntios 7.15, a separação é aceita e deixa a pessoa livre da condenação do pecado e do julgamento de outras pessoas.
Apesar das argumentações serem variadas, assim como as interpretações, o notório é que o tema é um tabu entre crentes e gera várias discussões. O assunto ganha mais força num momento onde o número de separações e recasamentos de evangélicos vêm aumentando em todo o mundo. Pesquisa realizada pelo Barna Research Group mostra que o índice de divórcios entre os cristãos americanos é mais elevado do que a média da parcela da população não-crente. Segundo o estudo, 27% das pessoas que declaram Cristo como Senhor já passaram por essa experiência, contra 24% dos adultos não “alcançados”. O Instituto Gallup também rastreou a vida dos casais cristãos americanos e encontrou resultado bastante parecido. A pesquisa apontou que 26% dos protestantes e 23% dos católicos já foram divorciados em algum momento da vida.
No Brasil a situação não é diferente. Em 2005, a Sepal (Servindo Pastores e Líderes), em parceria com o Ministério Apoio, realizou uma pesquisa para traçar o perfil das pessoas sem casamento nas igrejas brasileiras. Um dos objetivos do estudo era “conhecer a realidade afetiva, sexual, familiar e social” das pessoas que não estavam casadas no meio evangélico e preparar a igreja para trabalhar com elas.
O levantamento, feito com 478 evangélicos de diversas denominações de todas as regiões do país, revelou que pessoas entre 41 e 60 anos (79%) que responderam à pesquisa estavam divorciadas. Dos crentes que não estavam casados nas igrejas brasileiras, a partir dos 30 anos, a pesquisa mostrou que 34% dos homens e 32% das mulheres estão divorciados. O estudo revelou ainda que 22% dos homens e 13% das mulheres se encontravam separados.
Ao lado das questões espirituais, e por ser uma decisão que não afeta diretamente a vida do casal, mas de toda a família, é preciso levar em conta vários fatores antes de chegar a uma decisão. Até que ponto o divórcio e o novo casamento são atitudes realmente corretas aos olhos do Senhor? Como a igreja deve lidar com essa crescente situação? O que a Palavra de Deus diz sobre o assunto? Caso existam filhos, como eles reagirão à separação?
Estas são algumas das questões que devem ser feitas. “A decadência moral da sociedade contemporânea está influenciando a igreja. Em vez de a igreja lutar contra a cultura do relativismo mundano, ela está sendo influenciada”, afirma o pastor e escritor Hernandes Dias Lopes.
Lopes explica que em apenas duas situações o divórcio é legitimado: infidelidade (Mt 19.3-12) e abandono (1 Co 7.15). O autor do elucidativo Casamento, Divórcio e Novo Casamento (editora Hagnos) não é favorável à separação. Em sua obra, ele não aborda apenas questões sobre o divórcio, mas mostra ensinamentos para a boa convivência do casal e de como se construir um matrimônio sólido: “Penso que o perdão e a mudança de conduta são melhores do que a separação”.






DEUS DO IMPOSSÍVEL


O perdão é uma das principais características de Deus e do cristianismo ao longo dos séculos. Por meio do seu amor incondicional, o Senhor deixa claro que é capaz de esquecer os erros cometidos por qualquer pessoa que os “confessar” e os abandonar. E no casamento não é diferente.
Um dos exemplos é o de Davi que, mesmo após ter matado e cometido adultério com a mulher de Urias, foi perdoado quando reconheceu seu erro e acabou tornando-se “um homem segundo o coração de Deus”. Além disso, de uma relação que começou ilícita, foi gerado o rei Salomão, e da mesma linhagem nasceu Jesus Cristo.
Além desse exemplo na vida de Davi, a Bíblia registra nos três primeiros capítulos do livro de Oséias a história de Gômer, esposa do profeta que, seduzida pela luxúria, acaba deixando o lar para viver com seus amantes. Este incidente da vida do profeta é usado como exemplo, no texto, para também mostrar a prostituição em que se encontrava Israel, que havia se “cansado” de Deus e se entregado a outros deuses.
No capítulo 3, o Senhor deixa claro que, mesmo traído, não abandonaria Israel, e o mesmo esperava de Oséias. “O Senhor me disse: Vá, trate novamente com amor sua mulher, apesar de ela ser amada de outro e ser adúltera. Ame-a como o Senhor ama os israelitas, apesar de eles amarem outros deuses” (vs.1).
Estudioso do tema e com aproximadamente 25 anos de experiência no aconselhamento de casais, Lopes, que está à frente da 1ª Igreja Presbiteriana de Vitória (ES), explica que as pessoas que optaram pela separação dentro do que é previsto pela Bíblia não podem ser condenadas e nem vistas como pecadoras por decidirem casar novamente.
Para ele, quem proíbe ou condena o novo casamento de divorciados segundo as leis bíblicas comete um erro. “A Bíblia não nos autoriza a colocar esse fardo sobre os ombros daqueles que foram vítimas da infidelidade do cônjuge ou abandonados. Assim, onde a Bíblia permite o divórcio, ela também ratifica o novo casamento”, ensina. “Chamar de pecado o que Deus não chama de pecado é um grave erro. O apóstolo Paulo alerta para o ensino perigoso dos espíritos enganadores que proíbem o casamento (1 Tm 4.3)”, escreve.
Na avaliação do pastor e terapeuta familiar Josué Gonçalves, existe muita “ignorância quando se trata de separação conjugal”. Muitas vezes, a igreja acaba esquecendo de seguir o exemplo da compaixão ensinada por Jesus Cristo e acaba atrapalhando mais do que ajudando as pessoas que foram obrigadas a tomar essa decisão. Embora seja contrário à banalização do casamento, Gonçalves, que atende casais e realiza palestras em várias regiões do Brasil e do exterior, reconhece que, em “alguns casos”, a separação “é uma questão de bom senso e de preservação até da integridade física”. Outro fator para a crise do casamento é a secularização, que tem deixado muitas marcas entre os crentes. “A causa principal é a crise de compromisso que estamos vivendo dentro e fora dos portões da igreja. Amar, antes de ser um sentimento, é uma decisão. Esta decisão precisa ser responsável e de longa duração. A igreja não pode perder o senso de radicalidade do Evangelho”, comenta.
Após cinco anos de casamento, Deborah dos Santos Travassos, 30 anos, foi obrigada a colocar um ponto final em seu casamento depois que descobriu que o ex-marido, que ocupava cargos de liderança, mantinha, há mais de um ano, um caso extraconjugal com uma irmã da igreja onde congregavam. Depois de tomar conhecimento da traição, nos doze meses seguintes ela ainda tentou salvar o casamento. Porém, como o ex-marido não mudou sua conduta, preferindo ficar com a amante, Deborah decidiu buscar a própria felicidade. “Eu estava sendo humilhada e não podia ficar correndo atrá
Embora sua vida espiritual tenha sido inicialmente abalada, Deborah nunca perdeu a fé e a esperança de construir uma família. Orientada por seu pastor e crendo que Deus a ajudaria a solucionar seu drama, ela se casou novamente. Hoje, passados cinco anos ao lado de Moisés, que na época iniciava na caminhada cristã, ela comemora um dos melhores momentos de sua história (Deborah também é mãe de uma linda menina chamada Letícia). “Sempre tive certeza da vitória. E hoje vivo aquele sonho que sempre quis ter”, garante. “Na época, quando tudo aconteceu, muitas pessoas me disseram que a glória da segunda casa seria melhor do que a primeira”, afirma, dizendo que tem vivenciado essa verdade bíblica. “Quando você está na presença de Deus e fazendo as coisas certas, tudo acaba te conduzindo a Ele.”






JOGO ABERTO


Na avaliação do pastor Fausto Brasil, responsável pelo Ministério Apoio, entidade cristã fundada em 1996 com o objetivo de atender pessoas “solteiras, divorciadas e viúvas”, a igreja deve, primeiramente, ser honesta ao ensinar à congregação o que crê. “Se o novo casamento não faz parte de suas convicções, seus membros precisam saber disso e o porquê”, diz. “Outra situação é a igreja não aceitar o divorciado casado de novo como membro. Ela pode até não aceitar, mas não pode impedir que estes freqüentem as reuniões e os cultos, e, por mandamento, deve amar a todos indistintamente.”
Fausto Brasil avalia que considerar todos os divórcios e o segundo casamento como algo pecaminoso é um grave erro. Porém, explica que se uma pessoa sair de casa, assumir um “relacionamento adúltero”, não se arrepender de seu ato e não buscar restaurar seu casamento, mas mantê-lo desta forma, “está, sim, em pecado”. “Ao falar sobre divórcio, Jesus é muito claro em afirmar que o mesmo ocorre devido à ‘dureza do coração’ (Mateus 19.8). Quando o coração de um, do outro ou dos dois endurece, não há mais espaço para arrependimento, para perdão, para reconciliação, e a separação parece ser a saída.”
O pastor conta que atendeu a um caso em sua igreja em que a mulher era agredida fisicamente pelo marido. Mesmo depois de muita conversa, acompanhamento de especialistas e aconselhamento pastoral, as surras à esposa e aos filhos não cessaram. Em várias ocasiões, as sessões de violência e ameaças de morte terminavam na delegacia. “Como dizer que aquela família levava uma vida de bênçãos se dentro de casa era um inferno?”, questiona pastor Rocha. Depois de acompanhar de perto, durante anos, aquela situação e não ver nenhuma evolução, o pastor começou a temer o pior e sugeriu a separação do casal. “Como poderia dizer para a pessoa continuar casada numa situação dessas? Ela e as crianças corriam sérios riscos de vida”, enfatizou.
Numa situação extrema como essa, o pastor Ciro Eustáquio Lima de Paula, responsável pela Rede da Família, que desenvolve diversas atividades com fundamentação bíblica para atender lares em diversas áreas, revela que não incentivaria o rompimento dos laços matrimoniais. “Mesmo que o agressor passe um período na cadeia, preferimos que o casal permaneça casado.”
Josué Gonçalves afirma que cada divórcio tem uma história e os diversos casos não podem ser tratados de forma generalizada. Falta de maturidade, de comunicação, desajuste sexual, ciúme doentio, insatisfação sexual, falta de conselheiro, intromissão de parentes no casamento, desequilíbrio financeiro, incompatibilidade espiritual e falta de perdão são as principais causas que têm levado casais a terminarem um matrimônio. Nessa circunstância, a congregação, como defensora da família, tem importantes papéis a cumprir, como preparar os que vão se casar, tratar das uniões em crise e socorrer as pessoas que passaram pelo divórcio. “A igreja deve buscar sempre trabalhar na restauração dos casamentos arruinados. Porém, existem pessoas que foram abandonadas, traídas, forçadas por uma situação irreversível e precisam ser assistidas, tratadas, apoiadas e curadas.
A igreja é uma grande clínica da alma: tem a missão de curar aqueles que sofreram uma separação que sempre é traumática”, frisa.






ANALISANDO AS EXCRITURAS


Verificar o que realmente diz as Escrituras é uma das lições para contrariar o radicalismo e as interpretações equivocadas da Palavra de Deus nessas situações. Para Jaime Kemp, fundador do Ministério Lar Cristão, entidade que tem ajudado milhares de pessoas a restaurarem a harmonia de suas casas, o pastor que se separou sem o consentimento bíblico perde a ‘autoridade’ e ‘credibilidade’ para permanecer diante do trabalho. Ele lembra que em 1 Timóteo 3, o apóstolo Paulo deixa registrado que o líder precisa tomar alguns cuidados no exercício da atividade ministerial, como ‘ser marido de uma só mulher’ e ‘não ser motivo de acusação’.
“Em minha opinião, se o líder se divorciou em base não bíblica, perdeu a unção para ficar no cargo de liderança.” Para ele, um dos motivos que tem gerado a “epidemia” de separações e recasamentos nos púlpitos é a má interpretação das Escrituras. “Há pessoas que não têm conhecimento da Palavra de Deus e acabam ensinando heresias”, afirma. Para mudar essa situação, é preciso voltar a ensinar a Palavra, estabelecer regras claras para que todos na igreja fiquem cientes e preparar os casais para enfrentar as adversidades. “Nós deveríamos fazer a diferença, ser sal e luz para modificar e transformar a sociedade, mas hoje é a sociedade que está nos transformando.”As histórias pessoais de Adolfo Carmo Costa e Deize de Paula Costa são parecidas. Ambos foram casados antes de se converterem, se separaram, e os antigos companheiros não estão mais vivos. Casados há 28 anos, eles construíram uma família e hoje são vistos como exemplo por muitos amigos e familiares. Sempre que um dos filhos enfrenta problemas no casamento, vão buscar o conselho dos pais.
Adolfo Costa, que é pastor há 15 anos e atualmente lidera a Igreja Evangélica Congregacional em Santos (SP), acredita que a falta de orientação é, hoje, a principal causa para o alto índice de divórcios na igreja. Para evitar que problemas ocorram e o número de separações aumente, ele defende que a igreja tenha um grupo de apoio que preste auxílio aos casais e oriente na educação dos jovens em relação ao casamento. “Um casal tem o direito de se unir e ser feliz. É isso o que o Senhor quer de nós”, ressalta.
A Rede da Família está ligada à Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG) e acompanha o casal desde o namoro. Os noivos passam por um estudo bíblico antes de trocarem as alianças e, após o casamento, têm a oportunidade de fazer cursos voltados para diversas áreas da vida familiar, como finanças e criação de filhos. “Trabalhamos no sentido de o casamento não ser desfeito”, explica o pastor Ciro Eustáquio.
A grande quantidade de informações acaba se refletindo positivamente na vida dos casais. Segundo ele, a média de separações das pessoas que passam pelo curso está aproximadamente 5% inferior aos 30% da média brasileira.
Nas situações de pessoas que desejam se casar novamente, um dos cuidados é analisar, por meio de uma entrevista, se a primeira separação teve fundamentação bíblica. “Tem casos em que não aconselhamos e não realizamos o casamento.”
Para mudar o quadro atual, além do investimento na educação, participação da igreja e preparação dos jovens, os bons exemplos a ser seguidos precisam partir de casa. Nessa missão, o pastor e terapeuta familiar Josué Gonçalves sugere que os pais devem servir como espelho e viver uma vida conjugal equilibrada para que os filhos trilhem os mesmos modelos ao longo da vida. “Cada um de nós é responsável pela decisão que toma, pois a Palavra está aberta para todos como um aferidor que deve nos dirigir em cada escolha que fazemos”, ensina.
Para o casal Jessé Bueno de Oliveira e Suely Lemes Barbosa de Oliveira, diretores nacionais do MMI (Marriage Ministries International) Brasil, entidade que promove o Curso Casados para Sempre, o casamento não deve ser desfeito em nenhuma circunstância. Na avaliação deles, as igrejas que aceitam e realizam o casamento de pessoas separadas estão abrindo precedentes para que outros casos de separação ocorram. “Às pessoas que já passaram por esta experiência de divórcio e novo casamento orientamos a respeito do arrependimento, porque um pecado é o divórcio, e o outro é o segundo casamento”, afirma.
Nos cursos realizados em todo o Brasil, o aconselhamento é valorizado pelo bem da família, e homens e mulheres são orientados a lutar pelos seus casamentos, independentemente das situações que os levaram ao rompimento. “Se lutarmos pela manutenção da aliança, que é o plano original de Deus, certamente ajudaremos a evitar muitos problemas futuros. Cremos em um Deus todo-poderoso, para quem não há impossíveis”, arremata o casal.

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